top of page

Lições de uma trilha

Dia ensolarado num domingo de outono, com temperatura na faixa dos 8 graus. O que há melhor para fazer do que sumir da cidade e subir o Pico do Paraná? O PP (como o Pico do Paraná é chamado pelos iniciados) é o ponto mais elevado do Estado do Paraná. Com seus 1960 metros acima do nível do mar, ele desponta majestosamente em meio a uma região que atrai e desafia os montanhistas pela beleza natural e pela variedade de trilhas disponíveis.

 

No dia anterior eu havia ligado para os meus filhos, mas todos já tinham assumido compromissos para o domingo. Decido ir sozinho mesmo, pois já conheço a trilha. Estou animado para passar o dia sozinho. A noite de sábado eu havia gasto preparando os mantimentos: sanduiches, bananas, maçãs, chocolate, biscoito, água, Gatorade. Tudo em quantidades um pouco acima do que eu iria precisar. Eu também havia separado binóculos, óculos de sol, boné, roupa leve com mangas compridas, luvas de jardineiro e uma pochette com utensílios de emergência. Na pochette eu tinha duas lanternas, um apito, um isqueiro e uma cordinha de nylon. Ao conferir meus equipamentos, fiquei tranqüilo, pois sabia que havia me preparado corretamente para o desafio que iria enfrentar.

Às 7:30 do domingo chego à base da trilha. Será a minha 2ª subida. Há cerca de um ano havíamos feito a trilha em família. Naquela ocasião foram 12 horas de esforço.

 

Mentalmente divido a trilha em 3 etapas. Calculo que se eu levar entre uma hora e uma hora e meia em cada etapa, posso estar no pico antes do meio dia. Gosto de estabelecer um objetivo e me guiar por ele.

Na primeira etapa a trilha é de chão batido. Parece ser o trecho mais fácil, mas a subida constante logo me cansa. Preciso parar de tempos em tempos para recuperar o fôlego e tomar um gole de Gatorade. Nas vezes que a trilha percorre áreas descampadas, olho para trás e vejo a fazenda de onde saí. Mais distante um pouco reconheço a represa do Capivari e, mais ao sul, a cidadezinha de Quatro Barras.

 

À medida que o cansaço aumenta, lembro da parábola onde Jesus fala dos 4 tipos de solo. Este trecho da trilha tem grandes semelhanças com a semente que cai na beira do caminho, ilustrando como muitos cristãos novos começam com entusiasmo a caminhada, mas quando as primeiras dificuldades aparecem, eles logo desistem. Decido ir com calma, pois não adiante ter pressa. Afinal, estou sozinho e não dependo de ninguém. Não preciso prestar contas a ninguém. Resolvo que eu vou decidir ao longo do dia se vou até o pico ou se paro antes.

Durante a caminhada alcanço um alegre grupo de adolescentes. Parece que são de alguma igreja e o seu destino é outro: eles vão ao Caratuva.

 

Após 1 hora e meia de caminhada, chego à bica. A bica, fonte natural de água, é parada obrigatória para os trilheiros. Faço uma pausa um pouco maior. O suficiente para comer uma banana, uma maçã e um pedaço de chocolate. Dois rapazes me alcançam na bica. Pelo que eu entendi eles levaram a metade do tempo para fazerem o primeiro trecho. Também pudera, pela cara deles devo ser mais velho que os dois juntos! O que importa é que cada um faz o ritmo que lhe é mais adequado, pois nestas trilhas todos os que alcançam o seu objetivo são vencedores. Eles pretendem ir até o Ibitirati, que fica um pouco depois do Pico do Paraná.

Refeito em parte do cansaço, começo a 2ª etapa da trilha. Esta etapa é bem diferente da primeira, pois neste trecho a trilha está bem comprometida. Ao longo do tempo, árvores e pedras rolaram por cima da trilha dificultando bastante o ritmo. É hora de usar as mãos para vencer os obstáculos. Chegou a hora de colocar as luvas para não sofrer sem necessidade, pois aprendi com a minha experiência passada, quando fiquei por semanas com feridas nas mãos. Se por um lado o fôlego não reclama tanto, o ritmo é mais lento em virtude do constante sobe e desce.

 

De tempos em tempos outras trilhas cruzam o meu caminho. Nem todas as trilhas levam ao meu destino. Algumas levam a outras montanhas. Outras não levam a lugar algum, pois surgiram pela ação da chuva e dos animais silvestres. Mas em cada ponto onde eu poderia me perder trilheiros experientes amarraram tiras de plástico indicando o caminho. Assim eu sei por onde seguir. Posso aprender com a experiência dos outros e eu dou graças a Deus pelos anônimos que me ajudam a não errar.

É muito comum também haver pequenas poças de lama no meio da trilha. Fico atento à pisadas dos trilheiros que saíram antes de mim. Se o pé deles afundou na lama, procuro lugares mais seguros para pisar. Não quero cometer os erros que outros cometeram.

 

Cerca de 90 minutos depois de ter deixado a bica, vejo o Pico do Paraná por entre uma clareira. Me emociono ao pensar comigo que eu vou conseguir. Eu vou chegar lá. Não somente ao Pico do Paraná, mas ao topo da vida. Não haverá obstáculo que possa me impedir de chegar ao céu, na presença eterna do meu Deus.



Percebo também que não existe só uma forma de ultrapassar os obstáculos. Às vezes decido ir por cima do tronco caído. Outras vezes prefiro me abaixar. Dá para contornar também. Nestes lugares a trilha se alarga, como se a trilha reconhecesse que há diferentes maneiras de passar pelos obstáculos.

 

As diversas clareiras que encontro ao longo do caminho são um convite para uma pequena parada. Como é bom esticar as pernas e tomar um gole de isotônico. Mas o lugar que serve de descanso é também um problema, pois às vezes demoro para descobrir como a trilha continua. Não é assim na vida cristã também? Quando paramos para descansar, corremos o risco de perder o rumo?

Numa destas clareiras vejo a montanha por inteiro na minha frente. Para mim, é o começo da 3ª e última etapa. Agora começam os trechos com grampos e corrente. Mais uma vez agradeço por aqueles que fizeram a subida antes de mim. Como deve ter sido difícil para os pioneiros.

 

Quando a trilha acompanha por alguns metros a crista de uma montanha, uma forte rajada de vento me empurra para fora da trilha. Quase caio. Não há mais árvores, somente arbustos e vegetação baixa, e me agarro com freqüência nos galhos para facilitar a subida. Assim distribuo o esforço para poupar energia e aumentar a minha segurança.

Às 11:30 horas, depois de uma hora de escalada, finalmente chego ao Pico do Paraná. Não sem antes afundar meu pé esquerdo até a canela numa poça de lama. É a minha contribuição para evitar os erros dos próximos trilheiros. Eles podem aprender com os meus erros.

 

Já se passaram 4 horas desde que comecei a caminhada. Me emociono novamente. Eu consegui chegar ao meu objetivo. Eu cheguei lá! A vista é fantástica! Reconheço a baía de Antonina à minha frente, o Maciço do Marumbi à direita e montanhas e vales da Serra do Mar por todos os lados. Mas isso já não me importa. Minha intenção era passar o dia sozinho. Contudo agora me dou conta que Deus havia subido a montanha comigo. A cada momento, um aprendizado. Eu alcancei o pico, mas Deus me deu uma lição de vida.

Faço uma breve pausa para comer os dois pães e logo começo a descer. Já sei o que me espera. Primeiro um trecho de rochas com cerca de 15 grampos, uma corrente e ventos fortes. Depois um trecho com árvores e pedras atrapalhando o caminho e finalmente o trecho de chão batido agora em constante declive.

 

Levo as mesmas 4 horas para descer e uso o tempo para rever o que Deus havia me mostrado na subida.

Embora o caminho fosse estreito, não foi uma caminhada solitária. Cruzei com pessoas que também perseguiam seus objetivos. Acima de tudo, Deus tinha sido minha maior companhia.

 

Valeu a pena perseverar apesar dos obstáculos e do cansaço. Ao longo da descida lembrei com satisfação das lições que havia aprendido a respeito das trilhas alternativas, das poças de lama e das clareiras. Pude aprender com os acertos e os erros dos outros e, da mesma forma, outros irão aprender com os meus erros e acertos.

Chego ao final da jornada com uma certeza: com a ajuda de Deus eu vou chegar ao topo. Anseio com alegria o dia em que estarei face a face com o meu Senhor, dizendo como Paulo: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. E agora está me esperando o prêmio da vitória, que é dado a quem vive uma vida correta, o prêmio que o Senhor, o justo Juiz, me dará naquele Dia, e não somente a mim, mas a todos os que esperam, com amor, a sua vinda.” (II Timóteo 4:7-8)

 

Hartmut August

bottom of page